Gostaríamos de agradecer à AVINA por nos ter apoiado nesta empreitada.

O projeto Axé, desde a sua concepção, teve e tem como princípio o respeito e o reconhecimento do potencial das famílias dos educandos. Tanto assim que no seu organograma possui uma coordenação voltada para o desenvolvimento e fortalecimento do grupo familiar das crianças e adolescentes atendidas nas unidades pedagógicas da instituição.
A coordenação tem como objetivo principal discutir e oferecer atividades educativas que possibilitem às famílias desenvolverem sua capacidade crítica em relação à sua condição social e assim empoderarem-se e terem reconhecido o direito de ocuparem o seu lugar de primeiro grupo responsável pela socialização e educação dos seus dependentes – crianças e adolescentes.
Um projeto social, de modo geral, acentua na sociedade, marcada por uma herança católica ortodoxa, sentimento não condizente com os princípios preconizados nos documentos orientadores dos direitos humanos - o assistencialismo. E, principalmente em épocas como no Natal, é levado a fazer distribuição de doações de objetos usados ou novos, e que são bem vindos, dentro de uma crença de que está contribuindo para minimizar a violação de direitos dos socialmente excluídos. A questão é: como portar-se diante desse fato, um projeto como o Axé, que luta pela emancipação, garantia de direitos e efetivação de políticas que garantam direitos iguais para todos?
Foi esta reflexão que levou a Coordenação de Ações de Fortalecimento da Família a buscar uma estratégia de repasse das doações recebidas da sociedade para as famílias, sem um caráter assistencialista. Queremos as doações, mas não queremos distribuí-las aleatoriamente, sem uma reflexão do ato. Simplesmente repassa-las pode significar, e significa, uma forma de mantê-los subjugados.
A estratégia encontrada foi a realização de bazares. Mas comprar num bazar significa possuir dinheiro. Além disso, como vender os objetos que foram doados para pessoas em situação de extrema dificuldade?
Mantivemos a idéia do bazar, que já está em sua quarta edição, e “confeccionamos” o dinheiro.
A idéia é a seguinte: realizamos, dentro do planejamento anual, encontros sistemáticos e temáticos com os familiares. Duas vezes ao ano, junho e dezembro, dedicamos esse encontro à realização de um bazar. Nesse dia planejamos uma atividade de animação em que os familiares são convidados e estimulados a realizarem atividades individuais (cantar, dançar, recitar um poema, etc.) para terem acesso a um envelope contendo “as cédulas” por nós confeccionadas. Com esse “dinheiro” eles fazem compras e podem escolher os produtos que lhes interessam.
Antecedendo a esse dia e numa relação de respeito, toda a equipe se dedica a organização desse evento verificando a qualidade dos produtos, passando ferro nas roupas, dividindo por tema (lençol, roupas masculinas, femininas, infantis, utensílios domésticos, sapatos, bijuterias, etc.) e colocando os preços. Tudo é sofisticadamente e elegantemente arrumado, como num grande magazine. As famílias têm a liberdade de, nas suas “compras”, escolherem o que desejam e precisam comprar. Ao final eles “pagam” no caixa sabendo que não podem ultrapassar ao “valor” recebido. Essa forma de repasse dos produtos doados propicia aos familiares o direito da escolha, o exercício do controle de gastos, o exercício do planejamento, da compreensão da lógica do comércio, o direito de levar ou não levar o que está sendo oferecido, ao de não fortalecerem o sentimento de serem necessitados e, ao mesmo tempo, resolverem algumas dificuldades domésticas causadas pela falta de trabalho e, consequentemente, pela falta de dinheiro, que os impossibilitam de comprar em lojas de verdade.
Para nós do Projeto Axé o bazar propicia momentos de reflexão junto aos e com os familiares acerca do significado das doações e da possibilidade de não ferir os direitos sociais. Ao contrário, é um momento de profundas reflexões acerca das diferenças de classes presentes na nossa sociedade, algumas vezes muito injustas
Eliane Rodrigues - Coordenadora de Família